terça-feira, 24 de setembro de 2013

AmaMentAção

Eu devo muito à amamentação. Ao mesmo tempo em que eu nutria meu filho, eu nutria a minha alma. Da minha história de gestação, parto, puerpério, criação de filho, inegavelmente a amamentação foi o momento que mais me aproximou da minha natureza de mamífera, de fêmea, de mulher. Foi o momento em que eu só dependia de mim e de mais ninguém. Eu não tinha conhecimento, agia por instinto. Eu não pensava, eu sentia. E considero que foi por isso que deu tão certo.

Claro que eu não teria ido tão longe sem apoio. Apoio daquele que, sempre que eu sentava para amamentar, vinha com a minha garrafa d’água, com um paninho de boca, com uma almofada, ou só com um sorriso que fosse. Daquele que sempre demonstrou seu desejo de participar de forma mais ativa, mas entendia e respeitava aquele que era um momento mãe-filho. Daquele que me incentivava a abrir a blusa e sacar o peito para alimentar nosso bebê em qualquer lugar que estivéssemos, sem precisar me esconder. Daquele que me apoiou a continuar amamentando mesmo grávida. Aquele que se fez ainda mais presente quando chegou o momento de entrar em cena e me ajudar com o desmame.

Quem vê uma mãe que amamenta, não imagina quanta insensatez chega até ela. Quanta cobrança, quanto comentário, quanto julgamento, quantos olhares. Assim como quem vê uma mãe que não conseguiu amamentar, não imagina o que ela passa. Parece um contra censo, mas as duas sofrem muita pressão. O que querem de nós, afinal?

Querem que a gente amamente, mas querem que estejamos sempre lindas e dispostas, mesmo que o bebê mame a noite inteira sem trégua durante meses a fio.

Querem que a gente amamente exclusivamente no peito por 6 meses, mas nos dão licença maternidade de 4 meses. (não foi o meu caso, ok, mas é o da maioria)

Querem que a gente amamente, mas não cansam de dizer que “esse menino tá muito apegado a você, mas também, mama o tempo todo”

Quererem que a gente amamente, mas que dê também a mamadeira, pro pai poder se sentir incluído e o bebê não ficar tão apegado. Mas não te dizem que a mamadeira faz o bebê largar o peito.

Tenho muito orgulho da minha história de amamentação. É muito gratificante ver que meus seios cumpriram a sua função mais primitiva, a de nutrir meu filho. De saber que o vínculo que nós temos em função dessa troca vai perdurar por muito tempo, quiçá nunca se desfaça. De saber que eu estive disponível durante todo o tempo que meu filho precisou, que por um bom tempo já não era mais para matar a fome, era só um aconchego, uma troca de energia, e que eu respeitei essa necessidade dele. Que talvez o desmame não tenha sido totalmente natural, já que foi orientado por mim, mas que foi respeitoso. Saber que não fui contra meus instintos, não ouvi os conselhos que recebi para desmamá-lo abruptamente, usando técnicas cruéis. De me sentir digna por saber que, mesmo não agradando a todos, fiz o meu melhor. Dei pro meu filho o que eu tinha de melhor dentro de mim. Foram 2 anos, 1 mês e 6 dias de amor líquido.

O parto, ou o não parto

Tales nasceu de uma cesárea não desejada. Não desejei essa cirurgia, mas não movi um músculo para evitá-la. Sim, optei por não me informar, optei por não querer saber, optei por deixar pra ver na hora, optei por deixar o médico decidir. Talvez por isso eu não me permita sentir culpa alguma, foi uma opção. Por medo, eu escolhi não pensar.

Durante a gestação, o medo do parto me dava calafrios. Eu me imaginava deitada em uma cama, pernas penduradas, um médico empurrando minha barriga e outro puxando meu bebê. É o que a gente vê nas novelas, é o que a maioria das mulheres que eu conhecia relatava, é como aprendemos a acreditar que é. Hoje sei que poderia ter conhecido formas bem mais humanas de se parir, mas o medo que eu sentia não me deixava analisar alternativas. Foi uma opção.

Conscientemente eu sabia que o parto normal era a forma mais correta de se nascer, afinal eu havia estudado biologia na escola. Mas eu tinha medo. Eu não tinha inteligência emocional alguma pra lidar com aquele sentimento, eu preferia ignorá-lo. Quando me perguntavam se eu ia ter um parto normal eu respondia “vou tentar” com o sorriso mais amarelo do mundo.

Nunca fui daquelas que já nasceram com o sonho de parir. Nunca havia pensado nisso antes de engravidar. Confesso que até pouco tempo atrás eu considerava o parto como algo irrelevante, nada mais do que um meio para se chegar a um fim. Continuo achando q não é esse momento que te faz mais ou “menas” mãe. O buraco por onde o bebê vai sair, pra algumas pessoas, é mesmo irrelevante. Não é exatamente essa a questão. A questão é muito mais ampla e aqui muita gente vai discordar de mim, o que eu compreendo perfeitamente, pois eu já estive do lado de lá e sei o que se passa na cabeça de quem considera que o importante é somente o bebê nascer bem. A questão é o protagonismo do momento, a consciência de que temos a capacidade de parir, a noção de que nosso corpo é perfeito e que faz tudo sozinho, se dermos a oportunidade. É saber que somos capazes, que somos feitas pra isso. Que a dor está muito mais ligada ao seu lado emocional do que propriamente ao seu corpo físico. Que as sombras que você carrega são capazes de te atrapalhar muito mais do que você imagina. Que o parto está intimamente ligado ao ato sexual, que é o ápice da maturidade sexual da mulher.  Que a sua relação consigo mesma, com seu corpo, com seu eu interior, com a sua feminilidade, com os seus ciclos, podem ir a favor ou contra você. E aí inclua também a sua relação com a sua mãe, que certamente foi a primeira mulher com quem você teve contato e que te influenciou positiva ou negativamente com relação ao seu corpo.

Além disso, estamos inseridas em uma sociedade doente que nos prepara dia após dia para aceitar que somos defeituosas, que nosso corpo não funciona perfeitamente, que não estamos preparadas para parir. Desde sempre a mulher deu a luz sozinha, em casa, com o apoio de outras mulheres da família. Precisavam nos fazer desacreditar deste poder natural e, como defeituosas que somos, precisaríamos deles, os homens (médicos), para dar a luz. Não demorou muito para que nos esquecêssemos da nossa força. Começamos a usar hormônios sintéticos, as pílulas anticoncepcionais, que têm uma importância histórica inegável, mas que nos fazem perder uma das propriedades mais notáveis da mulher: ser cíclica. Podemos não menstruar, e isso é incentivado, afinal menstruar é sujo, atrapalha a rotina, não traz benefício algum. Para uma sociedade capitalista, uma mulher não é importante se não for produtiva. E como ser produtiva sendo instável? Necessitando de certo “recolhimento” uma vez por mês? Muito melhor são aquelas que perderam essa característica tão peculiar das fêmeas, aquelas que se assemelham cada vez mais aos homens. Incomodam menos, produzem mais. Então, interrompemos a menstruação, adiamos a gestação e permitimos que eles se tornassem os protagonistas no nascimento dos nossos filhos, já totalmente convencidas da nossa falta de capacidade. Pronto, nos desconectamos totalmente da nossa essência feminina.

Durante um tempo, ter passado por uma cesárea me fez pensar que meu corpo não funcionou como deveria ter funcionado. Ele falhou. Aí vinha a pergunta: O que eu tenho de errado? Como eu disse, parir nunca foi um sonho de infância, eu achava que a cesárea não seria algo que efetivamente tiraria meu sono, mas a pulga estava sempre ali, bem atrás da orelha. Talvez se eu simplesmente culpasse o médico, fosse mais cômodo pra mim. Mas isso não me parecia honesto, de certa forma eu dei a permissão para que ele decidisse por mim, sem questionar. Ok, era pra ser uma relação de confiança mútua entre paciente e médico, hoje tenho consciência de que um dos lados não honrou essa confiança, e não foi o meu. Mas só achar culpados não responderia as minhas perguntas. Eu precisava olhar pra dentro e me encontrar.

Hoje eu sei que quem falhou não foi o meu corpo, mas a minha mente. Eu não sabia, mas eu era o perfeito produto do meio em que eu vivia. Eu não me conhecia, não conhecia meus ciclos, não entendia a beleza que envolve todo o universo feminino. Achava que menstruação era um sangramento chato e sujo que servia pra me mostrar que eu não estava grávida. Só. Que a TPM que me deixava péssima todo mês era só falta de autocontrole. Que se eu não pensasse sobre algo que me dava medo, talvez o medo sumisse. Que se eu confiava no meu médico, eu deveria deixar para ele decidir o que era melhor para mim e para o meu bebê. Eu me sabotei. Eu era mais uma mulher ignorando o seu lado feminino selvagem para se adaptar ao que a sociedade moderna exige, e o resultado não poderia ser diferente.

Depois de muita reflexão, me tornei amiga do medo que me fez bloquear toda chance que teria de me informar e sair da matrix. Um medo do desconhecido, medo da dor, medo da violência. Hoje sei de onde veio esse medo e, bem lá no fundo, encaro a minha cesariana como uma oportunidade de me encontrar com ele. De me encontrar comigo. Talvez se eu tivesse tido um parto normal eu sequer parasse para pensar nesse medo, pois muito provavelmente eu achasse que o havia superado. E talvez eu continuasse sendo aquela mulher infantilizada, que não pensava sobre sua feminilidade, não conhecia o poder do seu corpo, não conhecia a beleza e a perfeição de ser mulher. Ou talvez eu só esteja querendo aceitar o que não dá pra mudar, afinal, a negação não deixa de ser um mecanismo de defesa.

Foi muito doloroso descobrir que minha cesárea não foi necessária, que meu bebê não estava em sofrimento, que eu fui enganada. Ouvir de outro obstetra a frase: “roubaram teu parto, Vanessa” foi, sem dúvida, o episódio mais cruel da minha breve caminhada como mãe. Saber que meu bebê poderia não ter respirado, poderia ter tido seqüelas por ter nascido com 37 semanas, e que eu fui co-responsável por isso me dói na alma. Eu não me culpo, eu me arrependo.

Eu tento a cada dia usar minha experiência de uma cesárea não desejada para compreender muita coisa relacionada à minha essência feminina. É evidente que não foi somente esse acontecimento que me fez olhar para dentro, foi a maternidade como um todo. Mas é como se essa fosse a última peça do quebra cabeça que faltava para que eu conseguisse ver a imagem completa.

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Do começo de tudo

Quando eu me tornei mãe, alguma coisa no meu cérebro mudou. Na gravidez demorei a me acostumar com as mudanças no meu corpo, me sentia enorme, desajeitada, mas exibia o barrigão com o maior orgulho do mundo. Tinha medo do parto, medo de amamentar, medo, medo, medo. E quando o bebê chegou, todos aqueles medos foram transformados em insegurança na prática. Eu não sabia ouvir minha intuição ainda, nem sabia que tinha esse nome aquele sentimento que eu insistia em contrariar. Tive saudade da barriga, de ser o centro das atenções, de ganhar comida de presente, de ser elogiada diariamente. As primeiras semanas... ah, as primeiras semanas... O bebê, aquele serzinho encantador pelo qual eu daria a vida desde o primeiro ultrassom, não saia do circuito acorda-chora-mama-dorme-acorda-chora-mama-dorme, e eu exausta e culpada por ter vontade de chorar junto com ele. A tristeza profunda e a alegria extasiante se misturavam de um jeito que eu tinha certeza que estava ficando louca. A ocitocina saindo pelos poros tornava a vida muito mais colorida, mas logo vinha a vontade de chorar até acabar as lágrimas. Alguém em algum momento me disse que pra ser mãe a gente tem que deixar morrer uma parte de nós pra deixar nascer outra. E que temos o direito de chorar essa perda, chorar de saudade da pessoa que fomos, saudade das noites inteiras que dormíamos, saudade de ser dona do nosso tempo, saudade da sensação de liberdade. Mas a pessoa que está nascendo agora é muito mais forte, mais madura, mais inteira. Logo a saudade daquela que se foi vai embora e o que fica são só pequenas lembranças de um tempo que você não quer mais que volte, por melhor que tenha sido. Eu agora sou outra pessoa, uma pessoa que não se encaixa mais naquela vida. 
E é sobre essa nova vida que vou escrever aqui. Sobre minhas experiências como mãe, minhas opiniões, minhas expectativas e meus resultados.