sábado, 15 de fevereiro de 2014

Puerpério: bem mais que emagrecer, sangrar e amamentar


Por favor, pare de ler esse texto se você ainda não é mãe. Provavelmente você não será capaz de compreender o que uma mãe sente no período pós-parto e eu não preciso do seu julgamento.

Não se trata de estar ou não feliz. Não tem a ver com felicidade, absolutamente. O puerpério, que começa com nascimento do bebê e não tem prazo para acabar, é um período de sombras. Meu corpo que tenta se recuperar do parto, que por mais natural que tenha sido, sempre deixa marcas físicas. Meu útero que sangra incessantemente. O bebê que mama na mesma intensidade em que eu emagreço. E eu tentando me encontrar nessa nova rotina, na função de mãe de dois. Aprendendo a ser mãe de um segundo filho recém-nascido, um serzinho que exige dedicação exclusiva em um momento em que eu não posso me dedicar exclusivamente a alguém sem me sentir culpada por estar negligenciando o mais velho.

Bom, até aqui, você que não é mãe e optou por continuar lendo, ainda consegue entender que pode não ser um período fácil, não é? Perder sangue, emagrecer e amamentar o tempo todo, além de ter várias noites mal dormidas pode ser bem desagradável, certo? Certo. Mas não se trata exatamente desse tipo de problema físico. E é a partir daqui que mães e não mães se dividem em dois grupos.  

O puerpério é morte. Morte daquela que eu fui, morte daquela vida que eu tinha. Tudo novo, de novo. Aquela Vanessa está morta, mas ninguém vai perceber, por isso ninguém vai chorar por essa morte, somente eu. O puerpério é solidão. É se sentir absolutamente sozinha mesmo cercada de pessoas. O puerpério é perder a identidade. É não se identificar mais com aquela gestante ansiosa pelo parto, mas também não conseguir ainda se enxergar como mãe de dois filhos. Estar no puerpério é passar dias com um choro entalado na garganta e não conseguir encontrar um motivo digno para chorar. É não ter coragem de compartilhar sua solitária dor com alguém por medo de ser incompreendida. Porque você sabe que será. Afinal, você teve uma gestação tranquila, teve o parto que queria, tem um filho perfeito, um marido companheiro, formou uma família linda. Não tem direito de estar triste. E mesmo que você encontre uma alma que vibre na mesma sintonia e se sinta segura para falar, você não saberá o que falar. Não há um motivo para o choro, não nesse plano, não um motivo palpável, claro, que possa ser definido racionalmente.

Esse é meu segundo puerpério, e como toda segunda experiência, esta sendo mais leve. Já conheço bem o gosto amargo dos sentimentos que me judiaram da primeira vez. Não posso dizer que somos amigos, eles ainda são capazes de me sufocar, mas o fato de saber que eles existem dentro de mim facilita uma convivência sem tanta resistência. E talvez essa seja a palavra chave, ao menos pra mim: não resistir. Não tento mais vencê-lo ou ignorá-lo, me entreguei e vivo esse momento por inteiro, por mais difícil que possa parecer. É uma fase única de contato com as minhas mais profundas sombras e eu não quero deixar isso passar em vão.  Assim como eu escolhi um parto sem nenhum tipo de anestesia porque eu queria sentir tudo, sentir meu corpo, me autoconhecer, novamente eu escolho viver essa experiência sem filtros, sem anestésicos, sem fugas. Eu quero viver intensamente este puerpério e não somente sobreviver a ele.

“Há a velha eu partindo e a nova eu habituando-se a si mesma. E há uma forte amizade entre ambas. Muiticoexisto coesa. Há entre a velha e a nova uma gratidão enorme que amansa medos. Uma consciência que sorri para tudo o que fui. Consciência que flui em ritmo de autosororidade. A nova gentilmente aguarda o momento em que a velha se sinta pronta para ir, sem despejos. A velha sente que a nova é bem-vinda. Elas se abraçam, conectadas e belas como o brilho de uma verdade sentida e vivida com intensa profundidade." Natacha Orestes

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