Desde que os meninos nasceram nosso cãozinho Pierre adotou
um jeito bem peculiar de manifestar sua preocupação quando um deles chora: ele
late o latido mais agudo e estridente que conseguir na intenção de chamar nossa
atenção para que façamos com que o sofrimento da criança acabe. É bem
irritante, confesso, além de nada efetivo já que quando isso acontece primeiro
nossa atenção se volta a calar o latido para só então conseguirmos raciocinar
quanto ao choro.
Há algum tempo venho colecionando angústias quando leio
notícias de tragédias. Não sei dizer em que momento da minha vida isso começou,
mas de uns tempos pra cá tem doído muito mais do que eu estava acostumada. Pode
ser porque hoje o acesso a informação é maior, pode ter sido a maternidade,
pode ter sido só um amadurecimento pessoal. Pouco importa. O fato é que hoje
meu nível de empatia é bem maior do que anos atrás.
Os últimos dias estão especialmente mais pesados. Teve o
pequeno refugiado morto na praia, depois os índios Guarani-Kaiowá mortos por
fazendeiros e agora o menino Cristian morto pela polícia. E isso foi só o que
chegou para mim. Há quem opte por não ver, não querer saber. Eu entendo o
raciocínio dessas pessoas, e secretamente até os invejo. Já que não podem
ajudar o que adiantaria ficar sofrendo?
Só que eu cheguei num ponto em que não consigo mais não ver,
não consigo mais me fechar numa bolha e tocar a vida. E isso me consome.
Especialmente porque não acredito mais que posso salvar o mundo pelo facebook,
foi-se o tempo em que me bastava compartilhar uma notícia indignante com uma
hashtag de impacto e imediatamente ir ler sobre outro assunto achando que fiz
minha parte. Não fiz porra nenhuma. Não mereço essa paz de espírito.
Sempre que digo publicamente que me incomoda o fato de eu
não me sentir fazendo diferença no mundo as pessoas arregalam os olhos e, com a
melhor intenção do mundo, tentam me convencer de que, sim, eu fiz alguma coisa.
Na maioria das vezes me lembram que meus filhos são o que de melhor eu já fiz. Balanço
a cabeça pra cima e pra baixo e desvio o olhar. Não era bem disso que eu estava
falando.
Não há o que negar quanto aos meus meninos serem a minha
melhor parte, são mesmo. Mas eles não são eu. Eles são seres totalmente capazes
de seguirem os seus caminhos em busca de algo que lhes faça sentido. Mas achar
que ter colocado no mundo dois seres com capacidade de realizar algo que eu
queria ser capaz de realizar e não estou conseguindo seria suficiente para que
eu me sinta melhor é, além de egoísta, pouco pra mim. Colocar neles todas as
minhas expectativas frustradas é um fardo pesado demais para se dar para alguém
carregar. É uma insatisfação muito minha para que eu saia por aí distribuindo
porções para alguém pelo simples fato desse alguém ter saído do meu útero. Eu
libero vocês, filhos.
É claro que a maternidade mudou a minha vida de tal forma
que hoje quase não reconheço aquela pessoa que fui. Só que eu não quero passar meus
dias me vendo nos meus filhos, preparando eles para viverem uma vida que eu
perdi enquanto os preparava para viver. Isso além de ser injusto comigo, é
injusto também com eles.
Então tá, não quero transferir para os meus filhos uma
necessidade que é minha. Ok, quanto a isso estamos conversados. Mas, e agora?
E aí é que eu entro num looping infinito. Me dói, tenho
urgência em salvar o mundo, mas tô aqui sentada na frente de um computador
sendo teórica. Estou agindo feito meu cachorro diante do choro da criança.
Latindo o mais alto e estridente possível sem efetivamente fazer nada. E ainda
usando a energia de vocês que, na ânsia de aliviar meu sofrimento, vão tentar
me consolar.
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