Aí o Julio chega em casa e diz:
“Vanessa, precisamos conversar. Em alguns dias vou trazer
para casa uma outra mulher, uma mulher muito bacana, vocês poderão ser muito
amigas. Você precisará entender e ser madura o suficiente para me ajudar com a
adaptação dela, afinal o começo será difícil para todos nós. Para que ela se
sinta protegida, nos primeiros meses ela é quem vai dormir comigo, mas não se
preocupe, você vai ganhar um quarto lindo só pra você! Vou pegar uma licença no
trabalho para poder ficar com ela em tempo integral mas seria bom que você
continuasse indo todos os dias trabalhar, porque eu não conseguiria dar atenção
a vocês duas juntas. Eu disse a ela que não trouxesse muitas roupas, que você
emprestaria as suas, aquelas que você não usa mais, sabe? Ah, o pessoal está
louco para conhecê-la, logo que ela chegar iremos receber muitas visitas e
provavelmente trarão presentes pra ela. Espero que você não sinta ciúmes,
afinal eu amo vocês duas igualzinho.”
E aí?
Claro que essa historinha não é real, eu li algo parecido
com isso em um livro de um pediatra espanhol e achei perfeito pra me colocar no
lugar do Tales e entender o que se passa na cabeça de uma criança que ganha um
irmão, guardadas as devidas proporções.
O Tales e eu sempre tivemos uma conexão emocional muito
grande, o senso comum definiria como “são muito grudados”. Ele mamou no peito
até pouco mais de 2 anos, e isso ajudou bastante na criação de um vínculo
emocional bem forte. Eu sentia que eu era o porto seguro dele. Só eu. Segurança
em forma de leite. Aí ele foi desmamando, foi crescendo, o vínculo foi mudando.
Não ficou mais fraco, mas ficou diferente. A sensação era de que ele agora
confiava também em outras pessoas, não mais só em mim. Se saciava em outras
fontes. Não éramos mais uma só emoção para dois corpos. E isso pra mim nunca
foi algo ruim, confesso que me senti até aliviada quando percebi o que estava
acontecendo: meu bebê estava crescendo. Eu não era mais insubstituível. Um
grande alívio para uma pessoa que, depois que se tornou mãe, desenvolveu um
medo absurdo da morte. Medo de faltar para alguém com quem eu tinha um vínculo
vital.
Esse vínculo eu poderia definir como sendo um pequeno fio,
em que eu segurava em uma ponta e ele na outra. Ele até poderia ir longe de
mim, mas sempre segurando a ponta do fiozinho. Sempre sabendo pra onde voltar.
Até o dia em que ele se sentiu seguro para ir até onde o fio não alcançava e
então precisou largar. E foi. E encontrou coisas muito bacanas por lá, pessoas
boas, um mundo novo. Mas pouco tempo depois de ter largado o fio, percebeu que
alguém agora estava segurando no lugar que era seu. E se ele precisasse voltar?
E se tivesse errado ao largar? E se algo acontecesse de ruim, pra onde ele
correria?
O que ele ainda não sabe, e é nossa obrigação como pais ensinar,
é que esse fiozinho imaginário só tem função enquanto a gente ainda não conhece
o caminho de volta. Depois de um tempo, mesmo sem esse referencial, já fomos e
voltamos tantas vezes que conhecemos o caminho e sabemos que nosso lugar estará
sempre lá. Podemos deixar que outra pessoa menos experiente segure na ponta do
fio, pois já não precisamos mais dele.
Aqui em casa tivemos um início bem tranquilo, chegamos até a
comemorar timidamente o fato de o Tales não estar enciumado com a chegada do
irmão. O que seria totalmente antinatural, eu sei, já que ele tem apenas 2
anos. As primeiras duas semanas foram bem atípicas, ele estava encantado. Mas
passado o período de euforia, imagino que ele pensou: “Deu né, neném? Acabou a
graça, pode ir embora agora!”. E não, ele não foi embora. E o ciúme bateu
forte.
Aos poucos estamos encontrando formas de mostrar a ele que
nada mudou, que o Otto veio para somar e não dividir. Mas que o ciúme é um
sentimento legitimo e que estamos aqui para acolhê-lo e ajudá-lo nessa fase difícil.
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